terça-feira, 17 de maio de 2016

Critica Vidas ao Vento

Maria Eugania Mendrone -26 anos - Cursa Radio e TV 

Vidas ao vento conta a história biográfica de Jiro Horikoshi, um engenheiro de aviões modelo Mitsubishi A6M Zero, utilizado pelo Japão no ataque à base americana de Pearl Harbor, no Havaí, durante na Segunda Guerra Mundial.
Desde criança, Jiro sonhava com aviões em forma de pássaros e se imaginava conversando com o engenheiro aeronáutico italiano Giovanni Caproni. Mas, por conta de sua miopia, ele se vê impedido de realizar seu sonho de voar e se torna então um designer de aviões.
Pouco depois, Jiro encontra Naoko, uma jovem artista plástica que conhecera anos antes, ao salvá-la de um terremoto que quase destruiu Tóquio em 1923. Ele se apaixona por Naoko, com quem se casa, mas a jovem sofre uma grave tuberculose e não se sabe se conseguirá sobreviver. Esse aspecto foi inspirado na adaptação do romance The Wind Has Risen (1937), de Hori Tatsuo, que se passa em uma clínica de tratamento de tuberculosos em Nagano, no Japão.
Com base no respaldo histórico realístico da guerra e da vida do personagem, percebemos que existe apenas uma pequena parcela de fantasia, quando Jiro conversa com Caproni nos sonhos; assim, podemos considerar a obra voltada tanto para o público juvenil quanto para o adulto.
Evidentemente o filme não foi bem recebido pelo público americano, por se tratar de um momento de muito sofrimento e tristeza para aquele país, como foi o ataque a Pearl Harbor pelos Zeros. Embora haja um contexto em que se explora a natureza sombria da humanidade (por se tratar da vida de um fabricante de armas), existe o contraponto da criação de algo belo com sensibilidade poética, perante todo o caos. A animação tem uma mensagem clara de pacifismo, ao humanizar um personagem que provocou tamanha destruição.
Podemos constatar que a narrativa trata de temas como ambição, criatividade, persistência e amor, que são bem apontados e explorados. O ponto-chave do filme está no próprio título – “o vento” –, que passa a ser não somente um elemento de percepção, mas um importante personagem não visível, uma força positiva para o personagem principal, que o impulsiona em sua ambição e criatividade artística e que o leva a superar limites e realizar seu sonho. Agindo a seu favor, o vento provoca o encontro de Jiro com Naoko, ao fazer o guarda-sol da moça voar. Mas o vento também se mostra negativo ao espalhar o fogo do incêndio no começo e final do filme, evidenciando a destruição que a guerra traz.
A personagem Naoko representa a fragilidade e a pureza que se contrapõem ao cenário de massacre e violência. Em princípio, seu estado de saúde delicado não a impede de ter esperança em sua recuperação – o relacionamento de Naoko e Jiro é repleto de poesia e romance; no entanto, é perceptível a prioridade que Jiro dá à realização de seus sonhos, tornando-se de certa forma egoísta.
O filme recorre aos clichês das histórias de amor: o reencontro pelo destino, a doença como possibilidade de perda e/ou morte e o sacrifício.
Quando a doença de Naoko se agrava, ela decide sozinha voltar ao hospital onde esteve internada: a personagem mostra apenas seu lado mais bonito, isto é, toda felicidade, carinho e amor que podia sentir pela vida, por seu marido e por tudo a sua volta.
Pelo incontido desejo de superação, Jiro perde o controle sobre suas invenções – a indústria bélica modernizava-se no Japão. Sua invenção fora usada como instrumento de morte no horror da Segunda Guerra Mundial. Jiro se vê mais uma vez em sonho falando com Caproni (“no reino dos sonhos”): ele está arrasado, por seu sonho ter sido usado para fins malignos. Caproni orienta o olhar de Jiro para seus aviões que estão voando, remetendo ao recomeço. Os aviões lembram aviõezinhos de papel planando no céu, “mas nenhum voltará”, diz Jiro. Caproni fala que aviões são um “sonho amaldiçoado” e o céu acaba engolindo-os. O sonho nesse caso se torna pesadelo e o céu transmite a ideia de inferno, o avião é usado como instrumento de dor, é visto como objeto de destruição.
Mas em meio à destruição, a doença pode-se criar amor e compaixão, beleza poética na busca por superação perante os desafios, Naoko aparece no sonho e pede a Jiro para que ele “viva”, como na citação do poeta e filósofo francês Paul Valéry: “O Vento se eleva, devemos tentar viver”. O que equivale a dizer que não importam os erros cometidos, a dor em meio à perda, é preciso reaprender a viver, sem remorso, ter força para recomeçar, aprender a perdoar e a se perdoar. Pois a morte chega para todos e deve-se ser livre como o vento para aproveitar os bons momentos e esquecer os ruins.
Seu pedido é precedido por mais uma aparição do vento, agora incumbido de levá-la ao reino do céu; seu guarda-sol (objeto da união) também se vai, transmitindo que o sentimento de amor pode não voar, assim como o vento, mas é sentido e jamais desaparecerá. O que se evidencia na frase de Caprino: “E se foi como um lindo vento”.
O filme apresenta excelente fotografia, com traços sutilmente marcados, além do uso de cores fortes que se mesclam em frias tonalidades pastel. A música é um ponto extremamente importante, pois demonstra com cada mudança de instrumento, rimo e timbre as variadas circunstâncias e sentimentos. Instrumentos como pianos, violinos e acordeons orquestram e proporcionam emoção à história. A cena em que Jiro e Naoko brincam de jogar aviõezinhos de papel explica bem esse argumento, pois não foi preciso som externo ou locução para contextualizá-la.


Vidas ao vento, o último filme feito por Hayao Miyazaki (2013), concorreu ao Oscar de Melhor Animação de 2014. No contexto semântico, a fantasia romântica da criação do sonho corrompido e transformado em arma, com a real destruição em uma guerra, a ambição x o amor, a esperança em meio à doença, a vida x a morte são questionamentos que tornam o filme interessante, abrangendo um público diverso e justificando sua indicação.

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