Maria Eugania Mendrone -26 anos - Cursa Radio e TV
Vidas
ao vento conta a história biográfica de Jiro Horikoshi, um
engenheiro de aviões modelo Mitsubishi A6M Zero, utilizado pelo Japão no ataque
à base americana de Pearl Harbor, no Havaí, durante na Segunda Guerra Mundial.
Desde criança, Jiro sonhava com aviões em forma de pássaros
e se imaginava conversando com o engenheiro aeronáutico italiano Giovanni
Caproni. Mas, por
conta de sua miopia, ele se vê impedido de realizar seu sonho de voar e se
torna então um designer de aviões.
Pouco depois, Jiro encontra Naoko, uma jovem artista
plástica que conhecera anos antes, ao salvá-la de um terremoto que quase destruiu
Tóquio em 1923. Ele se apaixona por Naoko, com quem se casa, mas a jovem sofre
uma grave tuberculose e não se sabe se conseguirá sobreviver. Esse aspecto foi inspirado
na adaptação do romance The Wind Has
Risen (1937), de Hori Tatsuo, que se passa em uma clínica de tratamento de
tuberculosos em Nagano, no Japão.
Com base no respaldo histórico realístico da guerra e
da vida do personagem, percebemos que existe apenas uma pequena parcela de
fantasia, quando Jiro conversa com Caproni nos sonhos; assim, podemos
considerar a obra voltada tanto para o público juvenil quanto para o adulto.
Evidentemente o filme não foi bem recebido pelo público
americano, por se tratar de um momento de muito sofrimento e tristeza para aquele
país, como foi o ataque a Pearl Harbor pelos Zeros. Embora haja um contexto em que se explora a natureza
sombria da humanidade (por se tratar da vida de um fabricante de armas), existe
o contraponto da criação de algo belo com sensibilidade poética, perante todo o
caos. A animação tem uma mensagem clara de pacifismo, ao humanizar um
personagem que provocou tamanha destruição.
Podemos constatar que a narrativa trata de temas como
ambição, criatividade, persistência e amor, que são bem apontados e explorados.
O ponto-chave do filme está no próprio título – “o vento” –, que passa a ser
não somente um elemento de percepção, mas um importante personagem não visível,
uma força positiva para o personagem principal, que o impulsiona em sua ambição
e criatividade artística e que o leva a superar limites e realizar seu sonho. Agindo
a seu favor, o vento provoca o encontro de Jiro com Naoko, ao fazer o guarda-sol da
moça voar. Mas o vento também se mostra negativo ao espalhar o fogo do incêndio
no começo e final do filme, evidenciando a destruição que a guerra traz.
A personagem Naoko representa a fragilidade e a
pureza que se contrapõem ao cenário de massacre e violência. Em princípio, seu
estado de saúde delicado não a impede de ter esperança em sua recuperação – o
relacionamento de Naoko e Jiro é repleto de poesia e romance; no entanto, é
perceptível a prioridade que Jiro dá à realização de seus sonhos, tornando-se
de certa forma egoísta.
O filme recorre aos clichês das histórias de amor: o
reencontro pelo destino, a doença como possibilidade de perda e/ou morte e o
sacrifício.
Quando a doença de Naoko se agrava, ela decide
sozinha voltar ao hospital onde esteve internada: a personagem mostra apenas
seu lado mais bonito, isto é, toda felicidade, carinho e amor que podia sentir
pela vida, por seu marido e por tudo a sua volta.
Pelo incontido desejo de superação, Jiro perde o
controle sobre suas invenções – a indústria bélica modernizava-se no Japão. Sua
invenção fora usada como instrumento de morte no horror da Segunda Guerra
Mundial. Jiro se vê mais uma vez em sonho falando com Caproni (“no reino dos
sonhos”): ele está arrasado, por seu sonho ter sido usado para fins malignos.
Caproni orienta o olhar de Jiro para seus aviões que estão voando, remetendo ao
recomeço. Os aviões lembram aviõezinhos de papel planando no céu, “mas nenhum
voltará”, diz Jiro. Caproni fala que aviões são um “sonho amaldiçoado” e o céu
acaba engolindo-os. O sonho nesse caso se torna pesadelo e o céu transmite a
ideia de inferno, o avião é usado como instrumento de dor, é visto como objeto
de destruição.
Mas em meio à destruição, a doença pode-se criar
amor e compaixão, beleza poética na busca por superação perante os desafios,
Naoko aparece no sonho e pede a Jiro para que ele “viva”, como na citação do
poeta e filósofo francês Paul Valéry: “O Vento se eleva, devemos tentar viver”.
O que equivale a dizer que não importam os erros cometidos, a dor em meio à perda,
é preciso reaprender a viver, sem remorso, ter força para recomeçar, aprender a
perdoar e a se perdoar. Pois a morte chega para todos e deve-se ser livre como
o vento para aproveitar os bons momentos e esquecer os ruins.
Seu pedido é precedido por mais uma aparição do
vento, agora incumbido de levá-la ao reino do céu; seu guarda-sol (objeto da união)
também se vai, transmitindo que o sentimento de amor pode não voar, assim como
o vento, mas é sentido e jamais desaparecerá. O que se evidencia na frase de
Caprino: “E se foi como um lindo vento”.
O filme apresenta excelente fotografia, com traços sutilmente
marcados, além do uso de cores fortes que se mesclam em frias tonalidades pastel.
A música é um ponto extremamente importante, pois demonstra com cada mudança de
instrumento, rimo e timbre as variadas circunstâncias e sentimentos.
Instrumentos como pianos, violinos e acordeons orquestram e proporcionam emoção
à história. A
cena em que Jiro e Naoko brincam de jogar aviõezinhos de papel explica bem esse
argumento, pois não foi preciso som externo ou locução para contextualizá-la.
Vidas
ao vento, o último filme feito por Hayao Miyazaki (2013), concorreu
ao Oscar de Melhor Animação de 2014. No contexto semântico, a fantasia
romântica da criação do sonho corrompido e transformado em arma, com a real
destruição em uma guerra, a ambição x
o amor, a esperança em meio à doença, a vida x
a morte são questionamentos que tornam o filme interessante, abrangendo um público
diverso e justificando sua indicação.
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